A Greve da Morte



A crise está aí e já não há maneira de a disfarçar. O descontentamento é geral e as greves sucedem-se a um ritmo (quase) diário. Professores, polícias e enfermeiros são só os casos mais recentes de classes descontentes que saíram à rua (ou ficaram em casa… que isto das greves é bom é para descansar o canastro) em protesto contra as difíceis condições em que têm de exercer o(s) seu(s) ofício(s).

Isto pôs-me a matutar.

É certo que estou a levar a coisa “um bocadito” ao extremo mas… imagine-se o seguinte cenário.

E se… a Morte (aquela figura sinistra – ao que tudo indica um esqueleto humano -, vestida de gabão negro e ceifeira em punho) decretasse greve?...

Sim! Perante a actual conjuntura (acima de tudo económica, mas também social), parece-me de todo em todo possível que se atinja esse ponto ou lá bem perto, pelo menos. E a chegar-se lá… digo eu… a vida, tal como a conhecemos, teria de levar uma revisão a larga escala. E, já agora, assim com’assim, a morte (por motivos óbvios)… também.

Pensemos que a Morte é… (estou a tentar fugir à atribuição de um género à Morte, pois não será fácil perceber se é gaja ou gajo; compreenderão o meu problema com isto) um ente profissional, dedicado, zeloso e cumpridor. Pronto… é certo que não paga impostos e tal… mas que desempenha bem as suas funções… isso é certinho e direitinho.

Ora… se, por influência da instabilidade económica do País, a Morte se visse “entalada” com a perda de poder de compra ou mesmo sem o seu chequezinho ao fim do mês (já agora… quanto será um salário destes?)… a greve seria a única saída.

Imagino que haveria por aí uma data de gente a deitar largas à sua felicidade. Velhotes em jornada terminal, condutores de Zundap’s e carros “kitados”, desportistas radicais em geral e limpa-chaminés são, assim de cabeça, aqueles que de repente me pareceriam alguns dos maiores beneficiários dessa situação.
Por outro lado, os suicidas e os terroristas não ficariam tão empolgados quanto isso com a ideia… mas não se pode agradar a gregos e a troianos, não é?

Seria um fartote! Tudo à pancada, ao tiro e a deixar cair pianos e cofres em cima uns dos outros… Um cenário divertido e deveras interessante, sem dúvida. Mas as greves não duram indefinidamente e sempre acabam.

Imaginemos, então, que a Morte optava por um esquema de dois trabalhos, para compensar a falta de guito, exercendo o ofício principal das “x” às “x” horas e algo mais, igualmente em part-time. Aí…a coisa descambava. É certo que as leis da vida e da morte voltariam ao que eram… mas só em certos períodos do dia, o que levaria a um gravíssimo desequilíbrio de todo o negócio da morte.

Seria, portanto, a vez de médicos legistas, coveiros e agentes funerários entrarem em greve por não lhes ser possível ter negócio certo 24 horas por dia, nem muito menos de arranjarem também eles um part-time’zito satisfatório, pois há pouca coisa aí no mercado de trabalho adequada às habilitações necrófilas dessa malta.

Estou preocupado com isto. Principalmente, com as consequências que isso possa vir a ter ao nível da sociedade e do bem-estar público.

Vai daí, antecipando qualquer imbróglio que venha a suceder neste particular, avanço desde já com a proposta para a criação de algumas instituições de defesa dos direitos e interesses da classe dos profissionais da morte… não vá o Diabo tecê-las (uma expressão que até vem – bem – ao caso).

APC – Associação Portuguesa de Cangalheiros
SPM – Sindicato dos Profissionais da Morte
APF – Associação Profissional do Falecimento
CA – Coveiros Anónimos
AMLS – Associação dos Médicos Legistas em Stress

Bom… são só algumas propostas. Mais haverá certamente. Mas agora não me apetece falar mais disto. Estou “mortinho” para largar este teclado…!

7 inSensinho(s) assim...:

Zana disse...

Eis o verdadeiro homem que vê coisas onde la não estao...Criador nato, e de continua actividade:)
No entaoto a mim fica-me a pergunta.. n ficariam os medicos felizes por terem horas certas para trabalhar??
Ou entao.. de onde saca o sr K@ tanta imaginaçao??
Questoes que espero ver resolvidas tão cedo quanto o possível...
***

K@ disse...

Caríssima Zana:

O que nós não sabemos (porque normalmente não nos damos ao trabalho de ir curiosamente fuçar a uma morgue - aliás, não sei porquê, visto que me parece ser um sitio cheio de animação coisas interessantes para se ver...) é que os médicos legistas são assim uma espécie de adictos de produto de perecimento humano... ou seja, de corpos "danadinhos" para ser esquartejados por bisturis e serras eléctricas manuseadas por maquiavélicas mãos destes verdadeiros necrófilos de profissão.
Logo... se os senhores não tiverem um cadaverzito para esventrar uma ou duas horitas que sejam... eles passam-se da cabeça e começam a amarinhar pelas paredes dos institutos de medicina legal, o que, diga-se a bem da verdade, não é assim um efeito estético que se pretenda para uma unidade de saúde.


Bom... bem sei que, com este texto, provavelmente não fiz amigos junto do ramo da medicina legal... mas tenho amigos funerários, que até acharam bem que eu estivesse a zelar pelos interesses deles.

Enfim... não se agrada a todos...

so disse...

a mim as morgues parecem-me sitios um bocado... parados! mas deve ser só impressão minha. quanto à greve, bem... a minha «morte lenta» também é em part-time, daí que me pareça perfeitamente possivel este cenário.

K@ disse...

Vou pôr a minha advogada JÁ a tratar disso...

calózita disse...

bem, isso da morte fazer greve até me parece um mal menor perante a possibilidade - diga-se cada vez mais concreta - de a vida vir a fazer greve. porque toda a gente a insulta, toda a gente crê que ela existe só naquela de nos fazer sofrer, de nos colocar perante situações difíceis, enfim. um dia, a gaja passa-se e faz uma greve e depois eu é que eu quero ver!

K@ disse...

Respondendo à questão aqui colocada pela InSensata Borboleta, sobre a ausência de cadáver e tal… o Gabinete Jurídico do InSenso Comum (criado para o caso de alguém se levar demasiado a sério e mandar com um processo pra cima da malta), pela voz da InSensata Advogada Patty Ejab (que não só tem um nome exótico – de ascendência tunisina – como diz saber fazer umas belas Danças do Ventre… muito embora a malta acredite que é só lábia…) tem a esclarecer…

Ponto 1 – ela diz umas coisas do tipo «se não se encontra o "decujus" quase de certeza, que não pode ser condenado, que é diferente de acusado, por homicídio, seja simples, qualificado... porque não há a prova mais importante para ser analisada». Eu aqui perdi-me logo, confesso, porque nem sei quem é esse “decujus”, acho que nunca tive um… portanto também não sei se alguma vez perdi ou encontrei um.

Ponto 2 – Ela continuou, dizendo, (com aquele paleio de advogado) que «pode ser julgado e condenado por, por exemplo, ofensas à integridade física qualificada, agravada pelo resultado mas sem provas de que houve realmente um homicídio a incriminar um arguido, não pode ser julgado por esse crime e se for, pode até ser inocentado, porque "In dubio pro reo"».

Aí, eu simplifiquei as coisas e disse-lhe para ela tomar as ampolas outra vez…

Obrigado à Insensata Advogada, de quem a malta espera uma atençãozinha semelhante à demonstrada nesta ocasião, quando fizer a Dança do Ventre.

É que desta vez, ela trabalhou “pro bono”…!

Vladimir Kaspov disse...

Então e se a Vida resolver fazer greve?! Não será a Morte a levar conosco?! Mas no cenário previsto da greve da Morte em que ficaríamos?! Acho que só mesmo na Assembleia, pois é o único local onde há sempre espaço para mais umas almas penadas - pelo menos tem lá vivido (trabalhado?!) muitas desde o 25 de Abril!