Na sexta-feira à tarde, saí do escritório um bocado, fui a correr a uma mercearia que há ao fundo da rua para meter o Euro Milhões antes que fosse tarde. Obviamente, isto não viria nada ao caso, se a mercearia não fosse daquelas bem velhotas, com a mítica mistura de cheiros a colorau, açúcar amarelo e sabão Clarim a “encher” o ar que, com alguma dificuldade, um nariz menos habituado respira. Também este facto não viria ao caso não fosse o pormenor de, logo após ter feito as cruzinhas todas no boletim, quase ter batido de caras com os produtos de uma prateleira lá do arcaico estabelecimento comercial.
Na verdade, a distância a que o meu nariz ficou de umas caixas de Maizena até foi de cerca de meio palmo, mas foi o suficiente para me assustar e (em acto-reflexo) dar um safanão para afastar a penca do perigo de se estatelar contra a caixa branca e amarela.
Foi então que, a fugir da Maizena, me deparo com outro colosso das mercearias de bairro do nosso país (e verdadeiro símbolo da nossa história recente), a merecer a minha vénia, que mais não fosse por… ainda existir. Lá estava ele!... O Restaurador OLEX!
Embora pareça… não foi uma surpresa vê-lo ali, visto que o Olex é claramente uma daquelas coisas de que poderemos ter sempre a certeza absoluta de que existirão (e, aliás, o mundo não seria o mesmo sem elas), a par com a pasta medicinal Couto, o sabão Clarim e os rebuçados Flocos de Neve e Dr. Bayard.
Bom… estou especialmente (e demasiadamente) “introitigante” e nunca mais chego ao assunto. Indo a ele, então...
Naquele momento, em que me deparei com o Restaurador Olex, não pude deixar de pensar que o lendário produto capilar bem pode bem estar na origem dos mais recentes desentendimentos sociais do nosso País. Ou, não estando propriamente na origem, ... também não ajuda à solução.
Se voltarmos atrás no tempo e nos reportarmos à frase forte da promoção feita por todo o lado nos anos 70 e 80, vemos que este raciocínio não é tão descabido como isso. «Preto de cabeleira loura ou branco de carapinha não é natural» é um slogan que declaradamente fecha a porta a qualquer forma de harmonioso contacto entre as raças. Se um branco será sempre branco e um preto… sempre preto, isso não quer dizer que um não venha a achar, por exemplo, piada ao estilo de penteado do outro e o imite, não é? E se, por mero acaso, o processo de “branqueamento” do cabelo do preto (e o “acarapinhamento” do cabelo do branco) se der de uma coisa natural?...
O Restaurador Olex simplesmente não permite isso. Com o argumento simplório de que “A César o que é de César”, o produto capilar impede que as raças se unam, nem que seja pela pelugem que lhes sai do escalpe. Está mal!...
Contentes com a manutenção do Olex nas prateleiras das mercearias de bairro devem estar os mais extremistas (de um lado e de outro, entenda-se), que acreditam que o “orgulho” de ser branco ou de ser preto tem de ser mantido a todo o custo… ou não?
A mim, parece-me que sim, embora nem me digne a fazer comentários sobre isso. Tal como me parece natural (e historicamente saudável) que o Olex continue à venda (faz-me impressão pensar que um dia acorde e descubra que ele não exista mais), parece-me meio parva a associação racial que fiz… só porque fugi da Maizena. Mas pronto. Sempre tenho a desculpa que não fui quem começou com essa treta de «preto e branco não combina». O Olex já apregoa isso há décadas… Por isso…
1 inSensinho(s) assim...:
«um branco de carapinha??»
he he
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