Enxoval(ho)



É um dos grandes desastres (pouco) naturais de décadas que já lá vão. Lembro-me eu muito bem que se compravam arcas (dependendo da região, também pode ser usado o termo “baú” para este faustoso objecto). Grandes, pesadonas, cheias de efeitos em altos e baixos relevos, com mais ou menos pegas metálicas e opulentas fechaduras espampanantes, em ferro fundido dourado ou pintado a preto.

Mais solene do que a própria aquisição da arca, porém, era o acto de o encher. Ou melhor… de o atafulhar. De o atestar de tecidos vários, turcos, cobertores, lençóis, naperons, toalhas, toalhitas, toalhetes e toalhões e mais uns bibelot’s que lá coubessem, num espacinho entre dois cobertores ou uns lençóis profusamente rendilhados.

Eu tive uma arca dessas. Acho mesmo que ela ainda existe. Mas consegui safar-me só com dois cobertores (esses, sim, verdadeiramente úteis – bonitos… nem por isso… mas definitivamente úteis), que hoje andam pelo armário lá do quarto, à espera das noites mais frias e dos tremores que hão-se aparecer, mais tarde ou mais cedo.

Já a minha irmã não teve tanta sorte. Aliás, coisa banal era isso acontecer quando se tratava de raparigas. Elas tinham, garantidamente, uma arca para encher. Nós… tínhamos… ou poderíamos não ter. Para nós, esta questão era algo mais “democrática” e bem menos “imposta” do que às miúdas, coitadas.

Dizia eu que a minha irmã não teve fortuna igual à minha e cedo o enxoval (palavra que até me custa pensar… quanto mais escrever!...) lhe foi sendo feito, aniversário após aniversário, Natal após Natal, Domingo de Páscoa após Domingo de Páscoa…

O que me chocou na existência da “instituição” enxoval, na altura em que era miúdo, foi a minha incompreensão sobre para que serviria tal coisa… Enxoval... Isto porque não compreendia o que era casamento, vida planeada, filhos, cama de casal, lençóis rendilhados e toalhas com letras e corações devidamente debruados a cor-de-rosa. Isso e o facto da minha irmã também não compreender, ao mesmo tempo que ia desembrulhando presentes desses em vez de bonecas e livros, que – sei eu muito bem – eram muitos mais desejados do que panos em ponto cruz.

Hoje, o que eu não compreendo no enxoval (continua a custar-me escrever esta palavra) é o… porquê. Porquê dar toalhas, naperons, centros de mesa e outros artigos de tecidos vários, todos rendilhados? Haverá alguma dúvida que, de ano para ano, as modas mudam? Ou seja, haverá hoje alguma arca dessas em que haja alguma roupa de cama que alguém queira usar?

Solidário estou, portanto, com todos e todas (e todos) que sofreram (ou sofrem) por causa desta indecifrável calamidade: o enxoval… (e não é que me custa mesmo?!)

6 inSensinho(s) assim...:

calózita disse...

possa, coitada da tua irmã! eu também tive uma arca (continuo a tê-la porque a gaja é linda e tá lá na sala, toda pimpante!) mas o processo do seu "enchimento" sempre me passou ao lado! as coisas foram lá parar misteriosamente, sem que eu desse por ela, porque no natal, aniversários, páscoas e eteceteras sempre recebi brinquedos e livros, e roupas e jogos.
as arcas e os enxovais até dão jeito. agora, te digo, ter 6 anos e receber um paninho bordado a ponto de cruz deve ser terrífico!

so disse...

pois, eu também tenho uma arca, mas acho que está cheia de coisas uteis... um dia serão muito uteis, para já não. para já está só a atravancar-me o quarto...

mfc disse...

Tudo faz jeito... não duvides disso!

Didas disse...

lembro-me bem da frustração de receber um lençol em vez duma boneca, porra!

Sol disse...

O pior é quando se abre a dita e não se gosta de nada...e o destino que se lhe pode dar é para o contentar que costuma estar ao pé dos do lixo.

SoNosCredita disse...

sofri disso, sim. era realmente uma tortura ñ receber coisas que queria para, em vez disso, desembrulhar certas coisas...

neste momento já ñ é tanto assim: a arca cá continua, no corredor de casa, mas agora só a tenho 'enchido' com taparweres (algo do género) mesmo da marca Taparwere. :)

claro que tenho alguns conjuntos de cama e de banho que sei que vão dar jeito, e outrous pormenores...
mas há coisas (coitadas) para as quais ñ sei qual será o destino!

porque eu ñ as uso.