O aracnídeo do meu carro


Todos os dias, sem excepção, encontro uma teia de aranha no espelho lateral esquerdo do meu carro (o espelho colocado na porta do condutor, no fundo). Faça calor ou frio, sempre que me preparo para entrar na minha “viatura auto-própria”, paro, olho para o espelho (só esse espelho, não acontece em mais nenhum)… e lá está a teia, reflectida no espelho que ela própria envolve, tecida por um aracnídeo anónimo, que labora e pernoita (desconfio eu) no interior da caixa do referido espelho… muito embora esta coisa do pernoitamento (e a consequente morada fixa - e quiçá endereço fiscal - do aranhiço ser o espelho do meu Punto) não esteja cabalmente confirmado, como é óbvio.

Uma coisa é certa. Todos os dias encontro uma teia de aranha nova no espelho lateral esquerdo do meu carro… E sei-o porque todos os dias me dou ao trabalho de destruir a teia que encontro e no dia seguinte já lá está uma, novinha em folha (ou melhor… em teia). Ou seja, seja qual for o aracnídeo em causa, é um bom trabalhador (sem dúvida!) e, se tiver um chefe ou superior hierárquico, estou certo de que o deixará orgulhoso ou, no mínimo, bem impressionado, tal é a competência e perseverança do animal. Todos os dias uma nova “obra”!...

Penso que transpira deste InSenso uma certa admiração que venho desenvolvendo pelo aracnídeo do meu carro. E, de facto, é verdade. Admiro-o. É que, na verdade, ele (o aranhiço) é o que melhor trabalha no raio do automóvel! O rádio há vários meses que não “toca”, o vidro eléctrico do lado do volante só abre quando “quer”, o outro vidro eléctrico só abre 10cm e encrava logo a seguir… e o motor… vai abaixo por “dá cá aquela palha”!... Ao menos… teias de aranha… tenho-as lá – garantidas – todos os santos dias! Por isso, mesmo não sabendo “quem” ele é… e se vive no Punto (ou se o Punto não passa tão-somente do local de trabalho dele), respeito e admiro o aracnídeo do meu carro.

Hoje de manhã, contudo, conheci-o! Para minha grande surpresa, quando accionei o comando eléctrico das portas, olhei para o espelho e, além da habitual teia (que já esperava encontrar), lá estava o aranhiço que, sentindo a minha presença e aproximação ao carro, se quedou, imóvel – claramente negligenciando o seu trabalho (ou não…), fazendo uma pausa em pleno horário laboral – tentando evitar que eu me metesse com ele.

Não abri a porta. Baixei-me junto ao espelho e, “olhos nos olhos” (não deu bem para ver os olhos do aranhiço, confesso), resolvi meter conversa.

- Olá! Bom Dia!...
- …
- Tudo bem?...
- …
- Muito trabalhinho?...
- …
- Está calor, não está?... Deve ser duro trabalhar nestas condições…
- …

Respostas… nulas, inexistentes. Falava eu e o aranhiço continuava ali, mudo… caladito, imóvel… paradinho. Nada. Zero reacção.

Posto isto, senti duas tentações imediatas. 1) Destruir, como todos os dias faço, a teia construída até ali pelo aranhiço; 2) Acabar com esta cena do meu quotidiano e matar ou expulsar de vez o aracnídeo do meu carro.

Teria sido extremamente fácil fazer qualquer uma destas coisas… mas não as fiz; nenhuma delas. Porquê? 1) É feio destruir o trabalho de quem ainda por cima está logo ali, a ver tudo o que se passa (é mesmo uma grandessíssima falta de respeito – digo eu…); 2) Não se mata ou expulsa “alguém” que se conheceu apenas há alguns segundos e que, para mais, sabemos que é um excelente profissional na sua actividade (há que dar o benefício da dúvida e tempo ao tempo para conhecer melhor, no caso, o aranhiço de que se trata); e, por fim, … 3) Acho eu… que o meu carro… já não seria o mesmo sem a teia de aranha que todos os dias encontro no espelho da porta do condutor!...

No fundo, e pensando bem, começo a pensar que nutro uma certa amizade pelo pequeno aranhiço que trabalha no meu Punto. Certo será que, quando ele não estiver a ver, vou destruir-lhe a “obra feita”, simplesmente para na manhã seguinte encontrar uma nova. E sinto que terei pena quando perceber que, por um qualquer motivo, a teia já não será construída de novo.

No entanto, até lá (até que ele queira ou possa) vou deixá-lo estar, viver e trabalhar no espelho do meu carro. Acho que é a atitude correcta a tomar da minha parte.





PS: Esta é a 300ª entrada do InSensato Burgo. Nem todos são post's propriamente ditos e, desses, nem todos terão a piada que se deseja num blog humorístico. Seja como for, aqui fica a referência, mormente para justificar alguma (embora desnecessária e narcísica) baba do próprio InSensato Autor.

3 inSensinho(s) assim...:

Anónimo disse...

Acho bem que não mates o aranhol, até porque se o fizeres vai passar a encontrar todas as manhãs várias cagadelas de mosca no espelho do lado esquerdo do teu carro.
Vai uma aposta?

GK disse...

Bom, dizem que aranhiços são sinal de dinheiro... Verifica-se o ditado popular ou nem por isso?

Já agora, porque é que não o alimentas...?

;)

Bj.

Zana disse...

Pah, fartei-me de rir ao ler aqui o informativo mas a questão é que me afectou o suficiente para começar a reparar e a verdade é que descobri que, sem duvida, não es o unico... isto há uma dada percentagem de carros que possui dita teia... Começará a fazer parte destes elementos estéticos ou é apenas um simples acaso, não sabemos.. mas eu ate pensei... depois de tantas ver, será que elas nos querem dominar começam a fazer apenas estes trabalhinhos e a conviver connosco.. para depois dar o derradeiro golpe!!!!
Mantem-te atento, só tu tens esse dom de conclusão;oP
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