Tudo o que acabou de ler são conselhos que, ao longo dos anos, me foram sendo dados por imensa gente, (alegadamente) para que eu fosse visto por todos como um tipo porreiro, às direitas, honesto e, a cada boa acção feita, com um lugarzinho mais garantido no Céu.
Essa lenga-lenga do ser maneirinho para não ter, mais tarde, grande oposição do São Pedro para entrar pelas portas do Céu adentro e de, se possível, ter lá guardado um lugarzinho porreiro, na verdade, nunca pegou lá muito comigo. Não sou gajo de pensar tão à frente. Se opto por viver com base no dia-a-dia e não em planos muito a prazo, dificilmente perco tempo a pensar naquilo que me vai dar jeito daqui a uns tempos (se tudo correr bem, daqui a uns anos valentes), depois de expirar pela última vez. Sinceramente, não estou assim tão preocupado em precaver-me e planear o que vai acontecer depois de eu bater a bota.
Mais a mais, ser certinho e direitinho para conseguir um lugarzinho no Céu já é uma chatice imensa, quanto mais quando não se sabe exactamente que lugarzinho é esse que (alegadamente) estará à minha espera… se é que está mesmo. Também isso não é possível saber com uma satisfatória exactidão.
Convenhamos… O Céu não tem uma cabal política imobiliária. Aliás, o que me parece é que não tem mesmo política imobiliária nenhuma. Eu explico, até porque (de tanta mudança feita ultimamente) de imóveis percebo eu.
Quando nos dizem “Sê bonzinho! Vais ver que ganhas o teu lugarzinho no Céu!”, ninguém nos dá sequer a escolher a nuvem em que esse lugarzinho fica!... E isso quer dizer o quê, exactamente? Que o nosso lugarzinho (ganho com o esforço e a chatice de longos e longos anos de boas acções) só nos é atribuído na hora da morte, assim meio em cima do joelho? Que ficamos condicionados ao “stock” de lugarzinhos existente naquela hora? E quem determina quem fica com que lugarzinho fica? A escolha é nossa ou do São Pedro? Será ele o senhorio a quem temos de prestar contas? E há fotos para a gente ver ou o argumento deles é “Não tiveste tempo em vida para olhar para cima? O Céu esteve sempre ali, por cima da tua cabeça, totó!...”?
Não vejo isto com bons olhos, tenho de o dizer. Com as oscilações no mercado que se têm visto, quem me garante que o termo “lugarzinho” não esconde isso mesmo (um lugar…zinho, pequenino, mínimo, se calhar mais pequeno que um TZero)? É que – diz-se por aí – um T3 de jeito está “pelas horas da morte”, mas por altura dessas… mesmas horas, eu já queria saber a que número de “assoalhadas” terei direito ou se (apesar de me ter esforçado e tal) vou ficar acanhado numa nuvem minúscula, cinzenta, húmida, ao pé de uma barulhenta trovoada e, quando olhar para o lado, tenho um tipo ricalhaço (sem nunca ter sido bom para ninguém) à larga numa nuvem grande, branquinha, confortável e com uma vista fantástica sobre uma ilha paradisíaca no Pacífico.
Não sei por quê… estou desconfiado que, na hora fatal, é isso que me vai acontecer. Talvez essa coisa de ser bonzinho em vida para ganhar um lugarzinho no Céu após a morte esteja realmente sobrevalorizado. Mas… também não sei por que é que me preocupo com isto. Afinal, não sou gajo de pensar assim tão à frente.