Reading Material To Die For

Se há uma coisa com que lido especialmente mal é a morte. Não me adapto a parte nenhuma de todo o conceito de, de repente, tudo isto (de viver e tal) parar.

Também não me dou bem com a coisa dos velórios de corpo presente, das urnas abertas, dos cemitérios com jazigos, gavetas e muitas pedras mármore em forma de livros com as fotos dos defuntos em tom sépia, de cruzes e de anjos e santos. É muito… “fado”. Muito fatalismo e sofrimento voluntário. É demasiado latino. E nisso, nós latinos, somos mesmo um bocado parvos.

Mas, acima de tudo, não consigo conceber aquela outra parte em que o dia que até é necessário para o recolhimento e assim… é passado em burocracias sem fim, lidando com agentes funerários que lucram (abundantemente, diria) com a dor alheia, discutindo com padres (que muitas vezes nem conhecem o ente falecido) as horas para uma simples missa (que até pode não acontecer, se o padre não estiver para aí virado), tentando encontrar uma igreja, uma capela, uma sala que albergue o velório… enfim… um sem número de afazeres que, se a malta não estivesse tão preocupada em viver a sua vidinha, até perdia um tempinho a tratar antecipadamente, que era para quando chegasse a nossa hora, não desse grande trabalho a quem é apanhado de surpresa com a triste notícia.

Mas pronto. Essas coisas são o que são e a realidade mostra-nos que, se dificilmente a nossa cultura muda em relação a outras coisas… também nisto será complicado ser de outra forma.

No entanto, há sempre coisas que nos fazem levantar a sobrancelha de espanto, mesmo que a hora não seja propriamente a de fazer grandes expressões faciais que chamem a atenção de quem chora a morte de alguém querido.

Reparei, recentemente, que os serviços fúnebres estão agora a oferecer alguns préstimos inéditos. Para além da máquina de café expresso à porta do velório, alguns oferecem mesmo a opção de chá. Em qualquer um dos casos, os pacotes de açúcar são da empresa que assegura o serviço, com contacto telefónico e tudo (não vá alguém precisar de ligar a uma agência funerária enquanto bebe um café… num velório).

Outro dos pormenores com que me deparei foi o de uma pequena mesa, ao canto da sala de espera, que antecede a sala onde se vela o falecido, propriamente dita. Nela [mesa], estão algumas publicações, pelas quais os enlutados podem passar os olhos, tirando o pensamento da tristeza da hora. No entanto, a selecção de material de leitura é algo preocupante.

Se consigo perceber facilmente a existência de vários números da revista “Fátima Missionária” e até da “Volta ao Mundo” (por causa de todo o conceito de “paraíso” e tal), já me é mais complicado entender as outras três opções à disposição. A “Exame”… nunca a tinha imaginado como de interesse para quem acaba de perder um ente querido, nem sei mesmo como o poderá ser. O… “Correio da Manhã” é simplesmente… muito estranho de o ver neste contexto, mas… vá lá, vá lá… não era o “24 Horas”…! Por fim, o píncaro do bizarro – e recordo que falamos hoje de publicações disponíveis num velório –, o jornal desportivo “Record”…! E sobre este prefiro nem fazer comentários. Aliás, faço um. Será que, numa hora daquelas, alguém está “mortinho” por ler o “Record”…?

3 inSensinho(s) assim...:

Anónimo disse...

Estive muito recentemente num funeral, desses que agora foram também apanhados na máquina do marketing comercial, e não tem nada a ver com as antigas "agências funerárias".
Os gajos andam com fatos à "ambrosio-apetece-me-algo", chapéu e tudo, e além disso que referes ainda havia uma taça com rebuçadinhos embrulhados em papel com o nome da empresa.
O pior é que... tudo isso se paga, e muito bem pago, pelo que ouvi comentar a um familiar do defunto.

GK disse...

Esse funeral deve ter sido chiquérrimo! Ainda não fui a nenhum desses. Também não faço questão! Porque, como a ti, essa rotina toda faz-me confusão. Quanto às leituras... bom, suponho que vale tudo para esquecer, né?
Eu pessoalmente já avisei o pessoal interessado que, quando morrer, não quero padres nem missas. Gastar por gastar, quero os Rollings Stones a tocarem no meu funeral! (É que por este andar eles ainda vão conseguir morrer depois de mim... lol)

Unknown disse...

INSÓLITO.