Aquele “je ne sais (por)quois” de regressar


Costuma dizer-se a quem sai de Portugal que o encanto de voltar é algo de inigualável. Tenho a dizer que não discordo totalmente da ideia que se quer transmitir com uma frase como essa. Mas, nesse caso em particular, parece-me é que o conceito de “encanto” tem de ser, urgentemente, revisto (e, se possível, corrigido).

Acabo de chegar da Suíça, por onde andei em trabalho durante 25 dias. Normalmente, em situações semelhantes, ausento-me por dois ou três. Ou seja, desta feita, teoricamente, o “encanto” do regresso seria muito maior do que aquele que sinto quando volto das outras saídas em labute. O problema é que eu não sei se estou assim tão mais “encantado”.

A Suíça é um país lindo mas irremediavelmente entediante. Se, por um lado, as paisagens verdejantes que se podem ver tanto nas montanhas como no resto do território me deslumbrem por completo, as rígidas normas (leis e proibições – que os suíços “escondem” sob a expressão «não é permitido») para tudo e mais alguma coisa que se possa imaginar tornam a Confederação Helvética num aborrecimento só. Peço, neste momento, para não ser mal interpretado. As coisas na Suíça (tudo: o dia-a-dia, a vida quotidiana, o sucesso empresarial, a paz social… tudo) funcionam bem devido, precisamente, a essas “mil e uma” normas. Mas a população parece estar sempre triste. Um bocadinho de caos e espontaneidade não lhes fariam mal nenhum. Tornariam os suíços mais extrovertidos e interessantes, acredito. Mas a verdade é que não é assim. Nem os helvéticos parecem dispostos a experienciar o mínimo de caos que seja.

Ao voltar a Portugal, percebi que os suíços (mesmo não falando todos a mesma língua - nem sequer dá para perceber se eles têm algum sentido de identidade nacional - e muito a morrer de tédio) poderão ter boas razões para curtir mais ficar pela Suíça por de mais aprumadinha e castrante do que vir para a gira mas caótica Lusitânia. Bastou-me entrar no táxi ali no aeroporto… e essa conclusão como que caiu um mim.

Fazendo parte de um grupo com muita malas, fui no 3º de três táxis. Pelos vistos, os dois da frente tinham tentado “orientar” as coisas para ficar com o negócio todo. Ao gorar esse plano (entrando no carro do 3º taxista, ostracizado pelos seus pares), arrisquei-me a não só iniciar uma quezília entre motoristas de bandeirada como a submeter-me ao que viria a seguir.

A porta fechou-se, sentiu-se um cheiro dúbio do veículo (que aparentemente nunca foi limpo... desde 1990) e ligou-se o rádio. Rebaldeirada!… Um interminável medley de música (muito) pimba! Se calhar, devia ter optado por uma viagem mais apertadinho num dos outros dois táxis…!

2ª Circular – Queluz de Baixo (limite de velocidade 80km/h e mau piso): média de 120km/h com vários picos a mais de 150. Só nessa pequena viagem numa das piores estradas portuguesas o táxi excedeu em mais de 10 ocasiões o limite de velocidade vigente na melhor das melhores auto-estradas suíças (120km/h; o Estado helvético teria adorado flashar o "fogareiro" de cem em cem metros, não tenho dúvidas – eu, por exemplo, mesmo que só tivesse sido por uma vez [que não foi; foram mais, infelizmente], fui mais vezes multado por excesso de velocidade na Suíça em 25 dias do que em mais de 12 anos de carta em Portugal).

Além do speed, o fervoroso apreciador da música do Marante também demonstrou que conduzir “à portuguesa” implica quase bater com o carro pelo menos duas vezes e berrar, no mínimo, com um outro condutor, a quem se apelida de filho da p***, mesmo à frente do cliente que está a pagar (supostamente, para ter uma viagem sem sobressaltos).

Quase chegado ao destino da corrida, o taxista ainda conseguiu falhar a rua e dar a entender que o erro teria sido meu. Curiosamente, ganhou mais com o erro… dele, mas disso ele não falou, entre as lamúrias de que «já podia estar noutro serviço».

A sorte de tudo isto é que àquela hora estava bom tempo (é sempre bom chegar a Portugal numa noite com temperaturas de verão) e que, pelo caminho, foi possível ver que alguns bairros organizavam (à moda antiga) bailes dos santos populares. Ah! Isso e o facto de saber que estava a regressar ao conforto de casa; aquele conforto que os cinco hotéis em que pernoitei (e dezenas de restaurantes em que comi) nos 25 dias helvéticos claramente não providenciaram.

Não fosse isso (e a malta enfadonha… e o raio dos limites de velocidade da Suíça) e talvez optasse mesmo por dizer ao “Zé Manel” para voltar para trás para ainda poder apanhar o avião de volta.

Com 15km de degredo como foram aqueles, quase apetece não ser português.

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