A Hora Perdida


Há uns dias, a hora mudou. Acontece sempre duas vezes por ano, uma vez em Março/Abril, a outra em Setembro/Outubro. Desta vez, a hora adiantou. À uma da manhã de Sábado para Domingo, os ponteiros “andaram para a frente” e o relógio passou de imediato a registar duas horas da manhã. Desde essa altura, tenho andado a pensar nisto.

Que será feito dessa hora (entre a 1h e as 2h) que ninguém viveu? No fundo, o que é que acontece a essa hora?

Lavoisier dizia que na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Se ele tivesse uma teoria semelhante para o tempo cronológico, talvez ajudasse a dissipar esta minha dúvida (ou, provavelmente, nunca a teria – na escola, já me teriam ensinado essa e a outra teoria). Como se preocupou mais com a conservação da matéria do que com esta coisa dos ponteiros do relógio, Lavoisier foi um perfeito inútil na questão temporal. Tanto quanto esta minha referência ao próprio Lavoisier, entenda-se.

A verdade é que essa hora não é passada, não é vivida, não é gasta a fazer nada. Simplesmente, a hora desaparece sem deixar rasto, sem paradeiro conhecido.

00:59:57…
00:59:58…
00:59:59…
02:00.00. Tudo o que vai de 01:00:00 a 01:59:59… Puf!...

Não me parece nada correcto.

Há quem possa pensar que esta hora em que ninguém põem as vistas em fins de Março ou início de Abril, possa ficar guardada algures para ser gasta na reposição da “hora de inverno” em finais de Setembro / princípios de Outubro. Além de discordar disso, acho que não é exequível.

Como se conserva uma hora inteira? Em que condições? A que temperatura? Fechada numa caixa de madeira, num cofre…? Alguém sabe onde se pode colocar uma hora inteira sem que mais ninguém saiba da sua existência? Quem será o guardião da hora?... Mil perguntas que se podem colocar, mas que eu nem sequer coloco, porque nem acho que esta hora deva ser guardada, simplesmente. E o meu argumento é simples: o que se pode fazer numa hora na Primavera é totalmente diferente daquilo que se pode fazer numa hora no Outono. O tempo e as temperaturas são diferentes, a disposição das pessoas também, já para não falar que cada dia é um dia e que não é de todo conveniente deixar uma coisa pendente na Primavera para só a continuar ou terminar no Outono.

Dito isto, uma última reflexão (ainda acerca da frase anterior). Com isto de a hora se perder no desconhecido, aquilo que se está a fazer às 00:59:59 deve ou não ser interrompido de imediato para se passar a fazer aquilo que é suposto estar a fazer às duas da manhã? E, no Outono, quando se vive a mesma hora duas vezes (às 2h manhã, o relógio volta de novo a marcar 01:00:00), deve fazer-se novamente, tal e qual, a mesma coisa que se fez nesses prévios 60 minutos? Recordo que, em qualquer um dos casos, bom seria que a malta estivesse a dormir. Dormir é igual. À uma, às duas e até às três da manhã. Tal como estar paradinho. Estar paradinho também é sempre igual. Já estando, por exemplo, em actividade… digamos… sexual, pode ser tramado. Parar a meio (quando passamos para a “hora de verão”) porque a hora, subitamente, “desaparece” é duplamente chato: não há final feliz e – convenhamos – o cigarro não sabe tão bem. Voltar uma hora atrás em todo o desempenho sexual há-de ser fisicamente extenuante. A não ser que se pratique sexo tântrico. Aí é (quase) como estar paradinho. Também é sempre igual.

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