O Raio do Cristo Rei


Ouvi dizer que o Cristo Rei, em Almada, foi atingido por um raio, alegadamente devido ao mau tempo. Sinceramente, não estou convencido desta última parte, muito embora no dia em causa tenha, de facto, chovido e trovejado imenso. Ainda assim, a circunstância de um raio ter caído precisamente ali (causando uma quebra de energia que desligou a iluminação natalícia do monumento)levanta questões pertinentes no campo teológico e também ao nível da ironia do destino.

(Vamos por pontos, porque… bem… porque é sempre giro criar alíneas ou numerar assuntos e coisas e itens e tal, seja no que for)

Ponto 1 – Nunca pensei que a justiça divina (diz o povo que uma das suas expressões mais fortes – se não mesmo a mais temida pelos tementes a Deus – é precisamente a queda de um raio) poderia fazer-se sentir sobre o Cristo Rei. E quem diz sobre o Cristo Rei, diz sobre basílicas, igrejas, santuários ou capelas. A provar isso, há uns anos visitei uma pequena capela que esteve envolta pelo fogo num incêndio de grandes proporções… mas que escapou à destruição, ao contrário de tudo o que estava à volta. Deus protegeu, claramente, a capela. Desta vez, não protegeu o Cristo Rei. Bem pelo contrário… mandou-lhe com um raio para cima.

Ponto 2 – Que terá feito o Cristo Rei para que o seu “Pai” se tenha enfurecido tanto, ao ponto de recorrer à sua “arma” mais poderosa como forma de reprimenda? Se Deus não esteve pelos ajustes, foi porque o “Filho” não fez das boas, apesar de estar sempre ali, parado, no mesmo sítio, já vai para umas décadas. Sim… também se pode pecar só por pensamentos… Terá sido isso?

Ponto 3 – Se o Cristo Rei fez asneira, isso quer dizer que se sentia com as costas quentes, pensando que a sua divindade lhe garantia de imunidade ou que simplesmente não é tão temente a Deus quanto o resto dos católicos? Ah… já para não falar que não deve ter grande respeito ao “Pai”, deitando por terra um exemplo que deveria dar a todos nós, quanto à lealdade familiar – “Honra o teu pai”, ordenam os mandamentos.

Ponto 4 – Ao lançar um raio sobre o monumento, Deus – parece-me – afirma-se ele próprio como uma espécie de “Pai Tirano”, imortalizado pelo velhinho filme português, do início dos anos 40. Algo absolutamente inesperado num pai tantas vezes adjectivado de “bondoso”, “clemente” e “tolerante”. Ainda para mais, quando direcciona a sua dura justiça sobre um filho (quando o mais usual é defender-se os elementos da família). Será Deus pior chefe de família do que aquilo que pensamos?

Ponto 5 – (e já que falamos em família) Onde está a reacção do irmão mais velho do Cristo Rei, o Cristo Redentor do Rio de Janeiro? Se é estranha toda a ocorrência de o Cristo Rei ter levado com um raio em cima (muito provavelmente, lançado pelo próprio “Pai”), mais estranha é a ausência de uma reacção da família; no caso, do irmão da vítima. Mesmo que tenha medo de represálias parentais, ficava bem ao Cristo Redentor uma palavrinha sobre esta questiúncula familiar, não ficava?

Questões que, desde o sucedido, ainda ninguém esclareceu cabalmente, o que é pena. Mas talvez também isto tenha uma razão de ser. Sem estas explicações, qualquer cristão pensará agora duas vezes antes de pôr “o pé em ramo verde” ou “a pata na poça”. Se o Filho de Deus leva com um raio e é quem é… então todos os outros filhos de Deus (sem a ligação umbilical ao Criador nem a vantagem de serem feitos de pedra) têm mesmo de se “pôr a pau”, correndo o risco de – caso contrário – aumentar drasticamente a ocorrência de violentas “trovoadas” um pouco por todo o lado, dizimando os pecadores. Diz o povo que Deus escreve direito por linhas tortas. Será que é a este tipo de coisas que o ditado se refere?

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