PVP: 25€



Hoje aconteceu-me ser obrigado a estacionar o carro longe da estação e ter de ir a correr para o comboio, que (ao contrário daquilo que deveria ser a sua inequívoca obrigação) não espera por mim quando eu me atraso.

Descanse o Insensato Leitor. Adianto já que não perdi o comboio. Mas perdi qualquer coisa. Uns gramas de camada adiposa que “moravam” precisamente entre a pele e a última costela do lado esquerdo, cá em baixo, junto à chamada “pança de abade” que ostento com (pouco) orgulho.

Mas adiante. Já no comboio em movimento (atente-se que só o comboio estava em movimento; eu estava sentado), dei-me conta de que algo não estava bem na minha bota. Normalmente, o que está mal nesse “sector” é o que está DENTRO da dita bota (leia-se, o pé feio e/ou a fedorenta transpiração) mas desta vez… não. O “mal” estava no rasto da bota.

E um olhar mais atento revelou que o “mal” não era senão uma etiqueta autocolante, daquelas todas brancas, de pontas arredondadas que servem para escrevermos o que quisermos e colarmos onde bem entendermos. Esta… eu não escrevi e acredito que ninguém se daria ao trabalho de a colar propositadamente no rasto da minha bota direita… até porque o risco de levar um pontapé seria deveras elevado.

Ela lá estava, coladinha e sem grande desejo de se libertar de mim (o que até nem é de todo incompreensível, já que – não sendo um Hércules – não sou assim TÃO feio). Mas eu não queria ali. Por isso, tratei de a descolar o mais rápido que o meu jeito de pés permitiu. Pequena dica prática: a melhor forma de descolar uma etiqueta colada ao calçado é pisando-a com um pé e puxando o outro para trás, simultaneamente.

Descanse o InSensato Leitor. Adianto já que a operação foi bem sucedida e não há feridos a lamentar.

No entanto, qual não foi o meu espanto quando fitei a etiqueta (com um olhar zangado, confesso; assim como quem condena a insolência por “colar-se” a mim, literalmente), vendo que, lá escrito, estava «25€» (claramente em caligrafia de feirante ou merceeiro de bairro). E esta constatação pareceu-me de uma ironia desconcertante.

É que foi o materializar de uma sensação que já tinha há uns tempos. Mais concretamente, desde que fui operado. Nessa altura pensei que o meu “valor comercial” tinha descido consideravelmente. E foi hoje que tive mesmo a certeza disso. Eu explico.

Quando fui operado, os médicos removeram o meu apêndice e deixaram uma cicatriz, certo? Ou seja, hoje em dia, eu não só tenho menos peças (não tenho todas as que vinham “de origem”, isso é um facto), como também estou física e visualmente marcado. O mesmo pode acontecer a um carro, por exemplo. Um mecânico de esquina que se preze nunca volta a montar um motor que desmontou exactamente com o mesmo número de peças; sobram sempre algumas que, pouco mais tarde, acabam numa qualquer caixa suja de óleo negro e ressequido. Mais… quando damos um “toque” com o carro, ele fica com a pintura (ou a chapa) marcada. E tudo isto desvaloriza o carro em dezenas, centenas ou milhares (conforme o automóvel, claro).

Ora… eu também me sinto assim, desvalorizado… qual viatura com chapa amolgada junto ao pára-choques ou menos três porcas e dois parafusos no carburador. Quando alguém é operado, devia surgir naquele Termo de Responsabilidade (que a malta assina) a seguinte referência: «O paciente está ciente da contigência inerente à quebra do seu valor comercial após a intervenção cirúrgica». Mão não aparece nada. E a malta é levada ao engano, há que dizer. Porque toda a gente pensa que vai sair melhor do Bloco Operatório do que quando lá entrar. Mas isso é só meia-verdade, o que também equivale a dizer que é meia-mentira. Se, por um lado, saímos melhor, por outro…!

Enfim… chocou-me perceber esta manhã que o meu valor se resume a uns míseros 25€ (cinco contintos, na moeda antiga… o que ainda é mais deprimente), ainda para mais etiquetado por um merceeiro ou feirante a tentar despachar mercadoria de refugo, quem sabe, até já fora de prazo de validade. Ah… e como se isso não bastasse, a etiqueta até nem era de grande qualidade, bem pelo contrário. Descolou-se logo à minha primeira tentativa e foi de imediato colar-se ao sapato do revisor. Será que também foi operado...?

2 inSensinho(s) assim...:

calózita disse...

será????
é que se for pelo mesmo preço e trouxer tudo de origem, eu prefiro o cobrador!

so disse...

ta barato, freguesas, e escolher!